Escola sem sala de aula
Uma antiga professora, já aposentada, de uma pequena cidade, vivenciou em seu trabalho algumas agruras comuns a escolas no Brasil. Em razão das brigas políticas locais, teve sua sala de aula e, até sua escola, seqüestrada para atenderem aos interesses das autoridades do lugar. Lá, naquele sol escaldante e chão árido do interior fluminense, ela encontrou numa árvore da praça pública, a única na localidade, a sua sala de recursos. Foi assim durante um bom tempo. Sem materiais didáticos, sem carteiras, sem cadeiras, ou refeitório e até banheiro. O mínimo necessário não tinha: o dízimo das condições elementares para haver aula e aprendizado. Os alunos, quase a totalidade no primário, tinham idade escolar avançada para a série que cursavam.
Assim que ficaram sem a escola, foram para a Igreja, mas houve uma enchente, e o prédio ficou inadequado para o uso. Contudo, havia uma casa grande, um pouco longe dali, escondida atrás da estrada de barro e poeira. Nada tão difícil que um jipe, carro de boi ou cavalos não superassem. Mas não poderiam ficar na casa, talvez no estábulo, juntos com os animais, sentados sobre montes de capim, ou em celas sem uso e empoeiradas. Afinal, eram todos da roça mesmo. Para lá foram. Depois de alguns dias, o proprietário pediu o lugar. Havia vendido para uma indústria de leite. Foram então para frente do cemitério, onde havia uma marquise longa e larga o suficiente para abrigá-los. Bem, seria um bom lugar se lá já não houvesse o feirante, que de manhã anunciava aos berros seus produtos, algo não recomendável para a concentração da classe. O jeito seria ficar dentro do cemitério, bem distante da porta de entrada, o mais longe possível do barulho e da movimentação da rua. Talvez, no silêncio dos túmulos houvesse sossego necessário para o estudo. Mas logo viram que não daria para ser ali no cemitério, próximo às covas: a escola teria que buscar outro lugar que pulsasse vida.
Distante, cerca de trinta quilômetros, na cidade mais próxima, outra escola seria longe demais. Mas não poderiam desistir, já tinham aprendido muito com perseverança e superação. Então, saíram em busca de um lugar, que pelo menos, os abrigasse nos dias de calor, naquele chão árido e vermelho: acharam uma árvore na solitária praça pública da cidade. Durante todo aquele resto de período escolar, quando não chovia, (e quando chovia era necessário repor as aulas nos dias de sol) aprenderam todo o conteúdo das matérias, e no final do ano receberam a merecida graduação. Tempos mais tarde, já numa nova escola, indagada como conseguira ensinar naquelas condições, a professora falou: “Encontramos uma árvore e nos abrigamos debaixo do amor”.
Extraído do livro “Afeto e aprendizagem: relação de amorosidade e saber na prática pedagógica”.
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